Uma amiga perguntou como se chamava a minha boneca preferida na infância. Respondi-lhe: Rosa. Este era o nome da minha boneca preferida. Mas, na verdade ela, por certo tempo, foi a única. Já estava toda consertada, amarrada, costurada, remendada, mordida , cortada. Pobre Rosa. Um frangalho de boneca. Eu pintava o sete com ela. Uma boneca de plástico. Brinquedo de gente pobre, pobre materialmente. Rosa na sua miséria representava uma menina destruidora, terrível no seu silêncio e no barulho. Ela recebia tudo que eu queria descarregar. Rosa era um descarrego. Vovó a consertava. Ela me irritava porque não tinha mais nada para ser machucado. Eu queria Graciosa. A outra boneca que vivia nos altos do guarda-roupa, aguardando um momento mais "propício", para ser brinquedo. Lá estava Graciosa. Com um ar de espanto que me aborrecia. Hoje eu a chamaria de boneca sacana. As vezes titio falava com vovó com o rosto bem lívido: "que brinquedo vai servir para esta menina, mamãe? Deixa ela inventar os brinquedos dela." Isto não me parecia ruim.
Ganhei, certa vez um monte de panelinhas, tudo plástico. O plástico estava ascendendo. Era um kit cozinha, como chamamos hoje. Utensílios básicos de cozinha. Achei interessante.Vovó me disse para que servia cada um deles e eu gostei especialmente da saladeirinha que era verde e tinha tampa. todos os utensílios tinham tampa O colorido era lindo. Sempre mostrava uma panelinha para papai. Ele sorria mas, não dava importância àqueles brinquedos. Transformei cada utensílio em qualquer coisa que imaginava. Pessoas. Montei uma casa para eles. Como a casa ficava em um velho criado mudo, cheio de cupins, precisei fazer uma rampa, para que eles pudessem entrar e sair . Eu descia cada um deles pela rampa. Depois, descobrir que batendo na rampa os deslocava, passei a agredir a rampa para vê-los descer. Eles estavam andando! Disto papai gostava e ria muito. Titio, não. As batidas o incomodavam. Ele não podia estudar e solicitava ajuda a vovó. Eu me rebelava. Risos. Que situação! Papai ficava imparcial.
Com o tempo, Graciosa pode sair do armário. Eu não achava graça alguma nela. Aliás este nome fora iniciativa de vovó. Ela ficava lá, sentada em uma cadeira, com seus olhos arregalados. D. Olga uma vizinha, senhora mui digna, que tinha três filhas estudiosas, vivas até hoje, minhas contemporâneas, era costureira e indo lá em casa, viu graciosa e, certamente vendo-a, com farrapos a levou. A ideia foi boa. Me livrei de Graciosa. Mas, dias depois lá estava a boneca, na minha cadeirinha de lona. Com os mesmos trapos. Estranhei. Vovó explicou que fora só para tirar as medidas para poder fazer as roupas.. Hum, ah ! Sim. Dias depois Graciosa estava bem vestida com tiara na cabeça, colar, sapatos. Nossa!!!! Gostei de vê-la e passei a me interessar mais por ela... Foi por pouco tempo. Em um certo Natal dos anos 1960, papai entrou porta a dentro, na nossa casa. Ele não morava mais conosco. Foi direto para a cozinha de vovó, como sempre fazia. Depois, lembrou-se de mim e entregou-me um embrulho. Vi que era brinquedo. Um boneco. Grande tipo bebê que anda. Era engraçado.Amei-o logo. Carlos Alberto. Mas, também não brincava muito com ele. Preferia criar bonecos com as imagens das revistas.
Recortar as revistas, não era algo aprovado . Com as imagens os textos iam embora e para uma senhora já idosa, as imagens eram importantes. Pior, ela nunca havia prestado atenção que eu estava que nem uma formiga cortadeira, eu tinha acesso a uma tesoura e havia muitas revistas. Incrível, não haver a ligação entre as figuras que estavam sentadas diante de mim, no formato escola e as revistas. Onde eu teria achado aquelas imagens e as recortado? Fiquei muito abalada, foi muito triste para mim, quando vovó em uma tarde qualquer, naquele tempo, sentou-se em seu trono e pôs-se a folhear as revistas e se assustou ao ver as páginas todas brocadas. Oxente!!! Não havia nada para ela ver. Vovó aborreceu-se muito. Pensei que ela soubesse. Ela ficou super irada.Para que fez isto? Apontei para os estudantes na classe. Ela olhou mais parecia confusa, estava muito aborrecida... Eu era uma criança estranha para ela e ela, naquele momento, não era quem eu conhecia. Busquei um refúgio. Me escondi e minha ficha caiu. Eu cortei tudo!
Cortar as revistas não fora legal, pela reação de vovó. Horas depois eu sai silenciosamente, do esconderijo, deslizando como uma cobrinha. Fui na ponta do pé para a sala e sentei-me com Carlos Alberto no colo.. Ficamos quietos, silenciosos. A noite chegou e tudo foi comunicado a titio. Ele disse: mamãe, retire as que estão sãs, para a senhora se distrair e deixe as que ela já recortou. Titio jantou na outra parte da mesa e a sala de aula ficou lá armada, um brinquedo criativo. Depois, tudo passou. Mas, os próprios móveis da sala de brinquedo eram feitos de papelão. Autoria de vovó. Eu pessoalmente não nomeava nada. O nome que vovó chamava a cada brinquedo era combinável para mim e tudo bem. Nomeava minha criações. As bonecas de pano, feitas com perfeição estavam no subúrbio ferroviário, ficavam por lá, na casa da irmã de papai, Tia Gôte. Brincava com elas, quando ia para lá. Descubro hoje que na infância eu não gostava muito de bonecos. Mas, amava armar as casas de bonecas. Gostava muito das Barbies. Risos. Depois conto mais.
Graça Nunes.
Imagem de google.