Na minha adolescência, a palavra tortura era sussurrada .Não se falava nada relacionado com o regime militar de forma aberta, como agora. Tudo era abafado, escondido, encubado.Lembro que em 1976 um soldado, que nascera no bairro e era do mesmo tempo de papai, amigo de minha avó e que em épocas de festas ia visitá-la e desabafar suas mágoas com sua velha amiga; tenho ideia que em suas atividades, presenciara alguma coisa, que eu não entendia muito bem o que havia sido, mesmo quando bêbado falava baixinho para vovó e se pranteava, tinha cuidado para que eu não ouvisse.Eu não gostava dele porque era beberrão.Não ficava na sala. Entre mim e vovó não havia segredos e a atitude sigilosa dele me excluia e, naquele tempo, eu tomei consciêcia de que sua presença era desconfortável. Nesse período seu comportamneto mudou. Ele passou a comiserar-se, era ainda a década de setenta.."Arrabaldes", "roça",.bananeiras."Estrada Velha do Aeroporto...". " Sou culpado, D. Amélia. Eu não presto sou miseravelmente culpado" e chorava. As palavras vinham como gotas e o pranto era constante. Vovó sentada no seu trono, apenas ouvia, com seus olhinhos azulados cheios de dó. Achava aquilo tão estranho..... O que ele vira? Até hoje não sei exatamente.Faço inferências com o período histórico que ora temos conhecimento...Ele se ia e eu procurava saber. O que teve vovó? Sei lá.deve ter feito algo na corporação, sempre pintando... ele está bebendo muito, ainda tão jovem... Um dia, combinei com vovó para não mais o receber porque ele só vinha a nossa casa bêbado e isto era odioso.Ficou combinado.Nos trancávamos no período festivo. Não somente por ele. Mas, por incômodos.Certa vez, lá vem ele. Vovó viu.Corremos e fechamos a janela da frente. Ele pareceu tê-la visto aberta antes e ficou olhando, surpreso lá da escada, incrédulo.Olhávamos pela greta da porta que estrategicamente nos permitia ver a entrada toda a escada. Deu meia volta e se foi e depois de não nos encontrar mais desistiu.Também vovó adoeceu e foi internada. Quando teve alta nos mudamos para a casa de titia e não retornamos nunca mais para nossa casinha.Nossa ausência e o posterior falecimento de vovó. Não sei se vive.Espero que não me leve a mal se souber disto.Risos
Maria Nunes.
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