Naquele tempo, todo vendedor era ambulante e se fosse de pele escura, era vendedor. Fosse de pele clara, era gringo. Eu não sabia a dimensão do que era vir de outro lugar. Mas. Ficava bem claro que gringo era ser diferente. Meu pai dizia. "Que fala outra língua, diferente da nossa. Fala e você não entende porque não sabe a língua dele". Mas o homem do espelho, o que vendeu o espelho para vovó, falava como a gente. Entendi tudo que ele falou." Ele é daqui mesmo, brasileiro. Mora aqui por perto deve ser vizinho da gente aqui." Onde? "Em qualquer uma embocadura destas, por aí. Ele é apenas uma pessoa que luta para sobreviver de forma honesta. Vende. Não quer ser ladrão. Oferece. Compra quem quiser. Mamãe compra porque gosta de dar o dinheiro dela por besteira." Provocava ..
Eu já sabia ler e fazia boas contas. Noves fora, me intrigava. Me encantava com o mascate. Ele carregava tudo nas costas e tinha um maço de cartões de cor bege, do tom mais claro até o mais escuro, em uma das mãos, presos pelo meio por uma borracha , já bem elástica. O que ele carregava? Desde de flanelas até objetos de cozinha. Eles que introduziram a panela de pressão nos arrabaldes e em anos seguintes a colcha chenille de diversas cores e várias novidades. Pratos e canecos de plástico. O plástico estava em alta, no meado dos anos sessenta. Amávamos o plástico. Na escola nossos utensílios de merenda eram de plástico prato, copos e canecas e até colheres. Alguns colegas comiam o plástico desses objetos. O colorido vivo do material chamava a ânsia da fome, para além do bocado. Mas , o plástico tinha limites. Não ia ao fogo. Não prestava para vovó. Um utensílio bom era o que não derretia. Então, estava fora. Não tínhamos geladeira. Então o plástico era apenas um enfeite que podia ser esquecido se não service para brincar. Vovó achava que fazia mal. Ela estava certa. Pois bem os "galegos" levavam muita cor na sua bagagem de porta porta e calculavam tudo muito rápido. Eram bons lo de conta. Por que se comprava muito de suas mercadorias? As facilidades de pagamento e a comodidade. Estava na nossa porta. Hoje tem-se mercado virtual com prazo para chegar, sob certos monopólios. Àqueles vendedores estavam com várias lojas nas suas costas. Eles ainda existem. Andam de moto. Mas podem vir de carrinho improvisado, carrocinha. Estão sempre passando e continuam vendendo. Espero que nunca tirem a mercadoria do alcanse de suas mãos. São trabalhadores.
Graça Nunes
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