"O alcool ajuda a prolongar a vida? Não sei com certeza.
Lembro de tio Eduardo Teodosio.Nos anos sessenta, o médico o desenganara da vida; ele morreria logo. Tinha um mal cardíaco que o mataria em pouco tempo.Tio Dudu, não era de brincadeira. Falava assim, já estou desenganado.... e vivia sempre turbinado. A previsão era de morrer logo. Tio incrementou sua vida e a aqueceu com os conhaques, gims , vodikas e todas as misturas possíveis. Ele não bebia cerveja.. Era alcoólatra e, só sentia bem, turbinado.Se não bebesse era mal humorado, cara feia.....O médico fora cruel com ele, talvez, ou ele decidiu não se cuidar? Não sei. Não o acompanhei a consulta e não sei de detalhes era muito pequena.Sei que ele não tomava os remédios.Gostava de comer bem. Estava aposentado e tinha um físico, que hoje posso dizer , era invejável, na sua idade. Não tinha cabelos brancos e era um homem bom , muito humano, sentimental pacas.Chorava por tudo.Titia sua esposa tinha um tesouro em casa. O negócio dele era beber. Quando se reclamava com ele, ou quando encarava o olhar triste da mulher, ele dizia sem que lhe perguntasse: já que vou morrer , quero morrer logo...Algo sério demais. Sua cachaçada no entanto,quando nada o irritava, era agradável, muitas histórias da Bahia que nós não conhecíamos.Contos de estivador, homem forte.Eu e seus três filhos gostávamos de ouvir, com uma fogueirinha acesa na nossa frente, no quintal da casa dele e saboreando acepipes de titia, varávamos a noite, nesta farra.A família toda. Depois, quando não podíamos comer, mais nada, íamos todos para a cama com a barriga lotada de guloseimas. Não lembro se escovávamos os dentes.Lembro que Eduardo Filho, meu primo, quase sempre gritava mais tarde da noite e titia e seu pai, pulavam da cama e ia em socorro dele.Ouvíamos os ranger das portas...Espíritos maus se debruçavam sobre a cama de Eduardinho eu pensava que era Tutucambê ou o Homem do Lençol, personagens da mitologia assombrativa e atemorizante de minha avó.
Pois bem, tio Teodosio não morreu logo, como lhe disse o médico, naquele tempo, quando não existiam as possibilidades da medicina de hoje. Não morreu em um ano, nem em dois anos. Viveu muitos anos, sempre bebendo...Até que um dia, três dias depois de uma forte contrariedade, numa manhã de sábado, cheia de sol, um som estranho ocupou o casarão, um grito sufocado, rouco sem voz, algo doloroso, uma respiração bucal de afogado..sensação de sufoco.... algo amedrontador; era tio Teodosio dando seu último suspiro. Todas as tentativas de ressurreição foram nulas. ..assustada com aquilo tudo pulei da cama e corri pro quintal....depois fui olhar , do lado de fora, pela janela de seu quarto e vi seu corpo deitado coberto com lençóis brancos. Ele já tinha ido. Morreu quando teve que morrer.....Como ele sempre prevenia, vou morrer, vou morrer, no nosso íntimo, isto era uma possibilidade, mesmo assim foi um momento muito doloroso. ..Hoje penso que suas turbinações o mantinham com o coração mais relaxado.Apesar disto, não sou a favor de alcoolismo."
Collet Zolah
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